[História de Jesus Cristo] O Rebanho

Esta não é uma história específica para a Semana Santa ou a Páscoa, ou sobre a Santa Ceia que se celebra hoje — mas é uma singela lenda da Hungria sobre uma outra ceia de Jesus Cristo.

Painting of a flock of sheep by a lake with mountains in the background.

Jesus e São Pedro caminhavam por uma estrada interminável no campo.

Estavam muito cansados, tinham sede e fome. E o sol escaldava. Viram um casebre de cujo teto avermelhado, alegre, surdia a negra chaminé a deitar nuvens azuladas de fumaça.

— Ali há gente — disse o apóstolo. — Deve ser alguma solerte padeira que prepara a ceia para a sua família.

— Vamos chegar lá; pediremos um copo de água e alguma comida — propôs o Redentor.

A porta da casinha estava aberta. São Pedro entrou em primeiro lugar.

Um homem, diante do fogão, fazia girar um espeto ao qual estava enfiado um pernil de carneiro. Ouvindo rumor de passos, voltou-se.

Viu Pedro e, por trás deste, os olhos luminosos e serenos de Jesus.

Compreendeu logo que os viandantes estavam cansadíssimos e com fome, e fez-lhes um sinal amistoso para que se sentassem nuns cepos que havia perto do fogo. Depois, tirando da lareira o espeto, o depositou sobre a mesa. Estava assado, com crostas loiras que era um encanto de ser ver e uma tentação de se sentir o cheiro!

Depois, voltou-se para os recém-vindos e então é que lhes dirigiu a palavra.

— Não tenho a satisfação de conhecer-vos, mas adivinho que sois meus irmãos no sofrimento da pobreza, e sereis na hora da alegria. Quem entra em meu casebre é meu amigo. Vamos comer, pois hoje é dia de banquete.

Apanhou uma faca e partiu o pão negro que estava sobre a mesa em três pedaços iguais. Em três pedaços dividiu também o apetitoso pernil.

— Temos hoje uma ceia muito rica, e não é todos os dias que posso regalar assim os convidados de Deus. Sou um pobre pastor, que tem de seu apenas cinco ovelhas, das quais tira leite para fazer queijo e lã para vender no castelo. O castelão compra os meus produtos e sempre que vou lá, afora o dinheiro, me dá alguma coisa. Hoje me deu este pernil. Comamos, irmãos. Gostaria que meu rebanho aumentasse, nascessem carneirinhos, e dentro de um ano eu pudesse estar recolhendo mais leite, fabricando mais queijo, tosquiando mais lã!

O homem ria, enquanto os visitantes, famintos, iam dando trabalho aos queixos. Foi buscar um pouco de queijo, três maçãs, uma garrafa de vinho.

— Tenho ainda aqui alguma coisa para oferecer aos meus hóspedes. E esta garrafa de vinho, que eu guardei para o dia em que tivesse companhia. Seja hoje, pois. Amanhã Deus proverá e mandará outra, se for a sua vontade.

A ceia foi assim, agradável e feliz.

Jesus, antes de ir-se embora, devolveu ao pastor o pedaço de osso que havia retirado da parte que lhe coubera do assado.

— Amigo meu, esta noite ainda, joga este osso no meio das tuas ovelhas.

O homem não comentou a extravagante ordem. Inclinou-se cortesmente e guardou o osso. Depois, acompanhou os hóspedes até a estrada e lhes disse:

— Deus vos acompanhe. A noite está linda, própria para caminhadas.

Quando ambos desapareceram na curva, ao luar que branquejava a estrada, o homem lembrou do osso. Sorriu e disse que o conselho do viandante se não lhe causasse qualquer bem também não poderia ocasionar nenhuma mal, e atirou o osso no meio das ovelhas que dormiam tranquilamente no redil.

Depois, foi dormir, com o sono regalado e calmo dos que têm a consciência limpa e sabem que cumpriram seus deveres de cristão.

No dia seguinte, ao acordar, viu que uma inexplicável névoa cor de rosa se estendia por cima do redil e de todo o prado onde suas ovelhas costumavam pascer.

O vento matutino foi varrendo essa névoa, que se ergueu lentamente como se fora uma cortina da mais tênue gaze.

Depois, aos olhos maravilhados do pastor, à medida que se ia descortinando o prado, iam surgindo récuas e mais récuas de ovelhas, luzidios carneiros com imensos tufos de lã branca, de vastos chifres encaracolados.

Estava rico, o pastor!

Tinha o mais luzente e mais crescido rebanho de toda a região! Os dorsos alvos do gado lhe deram a impressão de um imenso oceano de lã, ondulante e gracioso.

Lembrou-se dos olhos luminosos e serenos do hóspede. E das suas mão finas e cariciosas, que pareciam abençoar tudo o que tocavam; e sua voz embaladora, verdadeira música de consolo e esperança. Então, pôs-se a chorar de alegria.

Caiu de joelhos no meio do seu imenso rebanho. Sim, um homem, um simples mortal, não podia ter aquelas mãos, aqueles olhos, aquela voz.

Compreendeu que era o próprio Divino Mestre que estivera em sua cabana, a experimentar o seu coração ingênuo e bondoso.

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Se gostou desta história popular sobre Jesus Cristo, confira também este conto que se passa na Sexta-feira Santa.

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Enciclopédia Universal da Fábula, vol. XXV. Tradução de Hilário Correia. Imagem: William Taylor Longmire, Vista de Windermere e Langdale Pikes desde Low Wood, com um rebanho de dezessete ovelhas. Fonte: Wikimedia Commons.

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