Histórias de Páscoa, estritamente falando, só conheço uma: o poético conto sobre o pintarroxo, de Selma Lagerlöf. Felizmente existem outras histórias, contos e lendas que, mesmo não sendo especificamente sobre essa ocasião, são também boas leituras para a Páscoa e a Semana Santa.
Este conto popular alemão está entre aqueles colecionados pelos irmãos Jakob e Wilhelm Grimm, que viveram no século XIX e se tornaram famosos por terem recolhido oralmente, e registrado por escrito, centenas de lendas e histórias do folclore alemão.
É uma história curta, singela e piedosa. Sua ideia central é quase idêntica à do filme espanhol Marcelino, Pão e Vinho — que por sinal, é um excelente filme para assistir na Páscoa.

O Festim Celestial
Certo dia, na igreja da aldeia, um pobre camponesinho ouviu o padre dizer no sermão:
— Quem deseja entrar no reino dos céus, deve andar sempre reto.
Não compreendendo o sentido figurado da frase, o camponesinho meteu-se a caminho, andando sempre para a frente, sem nunca se desviar, atravessando montes e vales.
Por fim, chegou a uma grande cidade, no centro da qual havia esplêndida igreja, justamente na hora em que se celebrava a missa.
Entrou nela e, ao ver toda aquela magnificência, julgou que tinha chegado ao céu e, cheio de intensa felicidade, deixou-se ficar lá sentado.
Terminada a missa, o sacristão ordenou-lhe que se retirasse, pois ia fechar a igreja, mas ele respondeu:
— Não, não sairei daqui; sinto-me muito feliz por estar finalmente no céu.
O sacristão foi procurar o vigário e contou-lhe que na igreja estava um rapazinho que não queria sair, porque julgava encontrar-se no Reino dos Céus.
— Se ele julga isso sinceramente, — respondeu o padre, — deixemo-lo na sua ilusão.
Em seguida, foi ter com o rapazinho e perguntou-lhe se queria trabalhar.
O pequeno campônio respondeu que sim. Estava habituado a trabalhar, mas não queria sair do céu.
Portanto, ficou na igreja, fazendo pequenos serviços de limpeza. E quando viu os fiéis chegarem e ajoelharem-se com grande devoção diante da imagem, esculpida em madeira, de Nossa Senhora com o Menino Jesus, ele pensou consigo mesmo: “Esse é o Bom Deus!” Aproximou-se-lhe e disse:
— Ouve, Bom Deus: como estás magro! Esta gente, por certo, deixa-te padecer fome. Mas eu hei de repartir contigo, diariamente, meu pão.
E desse dia em diante levava diariamente metade da refeição à estátua, e a imagem comia-a.

Decorridas algumas semanas, os fieis notaram que a imagem crescia; estava engordando e ficando bem robusta. Todos se espantaram. Até o pobre vigário, que não entendia o que se passava, resolveu averiguar. Escondeu-se na igreja e seguiu os movimentos do menino. Então viu, com grande assombro, que ele repartia o pão com a Virgem Maria e esta o comia.
Algum tempo depois, o rapazinho caiu doente e durante oito dias não saiu do leito. Mas, assim que se levantou, como primeira coisa, foi levar comida à Virgem. O vigário seguiu-o e ouviu-o dizer:
— Meu Bom Deus, não fiques zangado se durante todos estes dias não te trouxe nada. Estive doente; não podia levantar-me!
A estátua da Virgem então respondeu-lhe:
— Tenho visto tua boa vontade em me seres agradável e isso me basta. No domingo próximo, virás comigo ao festim celestial.
O rapaz ficou radiante de alegria e foi contar ao padre; este pediu-lhe que perguntasse à imagem se também podia ir junto. O rapaz ajoelhou-se e fez a pergunta.
— Não, — respondeu a estátua, — só tu virás.
O vigário pôs-se então a prepará-lo para a comunhão, com grande contentamento do rapaz.
E no domingo seguinte, no momento em que recebia a Hóstia Sacrossanta, expirou. Deus levava-o a participar do festim celestial.
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Se quiser ler outra história cristã, confira este conto tradicional da Hungria.
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Contos e Lendas dos Irmãos Grimm, vol. II. Editora Edigraf. Tradução de Íside M. Bonini.
Imagens:
A Catedral de Salisbury vista da propriedade do bispo, por John Constable. Fonte: Wikimedia Commons.
Interior da Catedral de Amiens, por Jules Victor Génisson. Fonte: Wikimedia Commons.
Muito belo, esse conto! Não me recordava dele.
Nesta passagem notei que a conjugação do verbo é diferente do que teria escrito: “chegar” ao invés de “chegarem”. Não me lembro se é uma regra especial? Você se lembra?
Beijinhos!
“ (…) E quando viu os fiéis chegar e ajoelharem-se com grande devoção diante da imagem…”
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Que bom que gostou! Acho que você não lembrava porque ele está no Volume III, que só entrou na nossa coleção bem mais tarde…
Que eu saiba, em casos assim as duas formas são válidas, conjugada e no infinitivo. Mas concordo que conjugada soa mais natural. Então vou mudar 😀
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