
As hordas tártaras, capitaneadas por um Grande-Cã agressivo e feroz, avançavam pelas terras polonesas, semeando a morte, o desespero e a destruição por toda parte.
A rainha Kinga pôs-se à frente de um exército e moveu-se contra o terrível inimigo. Seus homens tinham têmpera heroica, teriam combatido até o último alento para defender a pátria. Mas quando Kinga e seus homens avistaram os bárbaros, convenceram-se de que a luta não teria podido resolver-se senão com a catástrofe.
Kinga, sábia e generosa, não quis sacrificar os guerreiros, nem dizimar o exército numa aventura mortal.
— Vamos bater em retirada, com toda a ordem — recomendou ela. — Organizaremos nossa resistência nas fortalezas.
Os tártaros avançavam com ímpeto e ouvia-se um estrépito diabólico dos seus uivos selvagens, os seus espantosos gritos de guerra, o nitrido dos cavalos, o som das trombetas bélicas.
— Os inimigos nos seguem a toda velocidade — falou um general. — Dentro em pouco nos alcançarão.
— Sim, combateremos. Eles poderão nos destruir tudo: a vida, os bens, nossos meios de defesa. Mas uma coisa os bárbaros jamais conseguirão destruir: a nossa honra.
Os guerreiros se entusiasmaram.
— A vida? Que importa a vida sem honra?
Os heróis falavam com audácia e altivez generosa. Cada um deles já havia feito, em segredo e no fundo do seu íntimo, a oferta extrema.
Kinga olhou os seus homens belos, fortes, altivos, aqueles homens que não temiam a morte, e tremeu por isso. Ouvia-se, perto, o galope frenético dos cavalos inimigos. Dentro de alguns minutos mais, teria início o choque, o sangue, o sacrifício.
A rainha deixou que passasse seu exército, parou na retaguarda, arrancou da cintura um punhal cravejado de diamantes e executou com ele alguns sinais cabalísticos. No mesmo instante, luminoso como um lençol de prata, estendeu-se um largo rio entre os seus homens e os atacantes. Os homens de Kinga puderam ganhar tempo e tomar fôlego, pois os tártaros tiveram de se deter e construir uma ponte. Alguns mais ousados, que se arriscaram a atravessar o rio a cavalo, não conseguiram chegar ao meio e foram tragados pelas águas.
Mas os tártaros eram experimentados nas lides guerreiras, de há muito estavam habituados a vadear de surpresa grandes rios em regiões totalmente selvagens; em poucos tempo, com auxílio de cordas, construíram uma ponte baloiçante que levou todo o exército para o outro lado. Recomeçou a correria, o perigo se fez presente de novo.
— Morreremos como homens — disse um general, e todos os guerreiros o aplaudiram.
Kinga, no entanto, ergueu de novo o punhal mágico, repetiu os sinais cabalísticos e, de repente, entre o exército bárbaro e os valentes defensores da pátria se ergueram, altíssimos, intransponíveis, os montes Tatra.
Foi a salvação. O chefe dos bárbaros, desanimado, só teve uma decisão a tomar: voltar para o acampamento com as tropas vandálicas a se queixarem da correria inútil.

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Extraído da Enciclopédia Universal da Fábula, vol. XXIII. Tradução de Hilário Correia.
Imagem: Paisagem da área de Morskie Oko, nos Montes Tatra, por Wojciech Gerson. Fonte: Wikimedia Commons.
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