[Lenda da Rutênia] O nascimento de um herói

Volga nasceu de uma serpente verde. Nesse dia, sobre a terra toda, que sucessivos terremotos reduziram a escombros, desabou prolongada chuva de sangue quente.

Durante sete dias e sete noites conservaram-se os homens, transidos de medo, fechados a sete chaves em suas casas; nem as bestas-feras mais sanguinárias se abalançaram a por o focinho para fora do covil; as aves suspenderam os voos; os peixes procuraram refúgio nas profundidades abissais dos mares.

Nasceu Volga com os trinta e dois dentes permanentes. E, ao invés de vagir, falou. Dizia, com voz de trovão, verdades profundas. Respondia com inegável sabedoria as consultas que lhe dirigiam. Não mamava. Bebia hidromel. Falava corretamente, não só a língua materna, como a de todos os homens do mundo e a dos animais.

O príncipe de Kiev manifestou dentro em pouco tempo vivo desejo de conhecê-lo. Em pouco mais de um ano, Volga tornou-se mais alto e mais robusto que ele.

Aos doze anos, elevaram-no à dignidade de príncipe.

Era dotado dos poderes de sete mágicos: força, audácia, inteligência, astúcia, sabedoria, velocidade e invulnerabilidade. Tudo isso fazia de Volga um comandante extraordinário e herói invencível.

Volga, aos dezoito anos, resolveu formar a sua druzina. Submeteu a duras e intermináveis provas os moços que se julgavam, além de virtuosos, possuidores da força física necessária para suportar os rigores das campanhas contínuas e o valor moral que os impedisse de praticar excessos na celebração das vitórias.

Conseguiu, a muito custo, escolher oito moços. Deu a cada um deles um aposento no palácio em que morava, pôs a seu serviço vários criados, pajens e nobres.

Durante os combates realizavam prodígios de bravura e invariavelmente conduziam o exército à vitória. Nos fugitivos dias de paz, no entanto, não ficavam ociosos.

A cada herói o príncipe Volga atribuiu o encargo de fiscalizar determinado setor da administração pública, de modo que por toda parte sentiam os súditos os olhos vigilantes do soberano.

Esses olhos nem só se destinavam a verificar a fidelidade da aplicação de leis e regulamentos. Se havia alguma injustiça a corrigir, corrigiam; se alguém chorava, enxugavam-lhe as lágrimas; se precisavam de auxílio, ali estavam prontos para socorrer.

Certa noite os camponeses dos arredores de Kiev ouviram uma voz misteriosa, que dizia:

— Deus os abençoe, homens, mulheres e crianças de Kiev. Volga, o filho da serpente, obrará prodígios de valor em benefício de nossa terra.

Ninguém, no entanto, ficou sabendo de onde provinham tão felizes augúrios.

*

Extraído da Enciclopédia Universal da Fábula, vol. XII. Imagem: Bogatyr Volga e Mikula Selaninovits, de Ivan Bilibin. Fonte: Wikimedia Commons.

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