[Conto da Letônia] A Estrela de Natal

Para quem está procurando leituras de Natal, eis uma bela história natalina tradicional da Letônia. Se gostarem dela, sugiro que confiram também duas outras histórias de Natal da Europa, que compartilhei no ano passado — um conto natalino da Finlândia, e outro da Dinamarca.

Bor e sua mulher Hania tinham em sua casa Piska, um sobrinho órfão. Bor e Hania tinham dilapidado a herança do menino e, como eram perversos e egoístas, queriam agora desembaraçar-se dele. Pobre criatura! Na véspera de Natal, a mulher disse secretamente ao marido:

— Se não conseguirmos ficar livres de Piska, ele comerá todas as guloseimas que preparei para as festas. Tenho uma ideia. Quando voltarmos da missa natalícia, noite alta, fingirei estar me sentindo muito mal, e tu o mandarás chamar o médico. Ora, o médico reside do outro lado do bosque, e nosso sobrinho se perderá na escuridão, ou será devorado pelas feras, ou então só conseguirá chegar quando for dia alto, e nada mais haverá para ele comer.

Bor aprovou o horrível projeto da mulher.

Hania representou com perfeição a ignóbil comédia. Ao regresso da igreja, acusou forte mal-estar. Batia os dentes, simulava calafrios, revirava os olhos como tomada de dores indizíveis, e gemia de dar dó.

— Vai depressa chamar o médico, enquanto eu fico tomando conta de tua tia, disse Bor ao menino.

— Vou já, tio. Vou correndo.

O menino demorou-se apenas o tempo de acender uma lanterna e saiu, pronto para atravessar a selva.

Estava perfeitamente tranquilo. Chegou ao bosque, e mergulhou no caminho que ia por baixo das ramadas seculares. O vento gelado, ferindo-lhe o rosto, impedia-o de caminhar com a rapidez desejada. A lanterna onde Bor, pouco antes de fazê-lo caminhar, pusera muita água e um pouco de azeite à superfície, dali a momentos começou a crepitar, a desprender uma chama débil e, enfim, se extinguiu por falta de combustível.

Privado assim do socorro da lanterna, teve que se deter. Tentou prosseguir pela estrada escurecida, que se perdia entre a relva musgosa, e procurou tatear com as mãos, mas verificou que era impossível caminhar tão rápido quanto queria.

Invocou com fervor a ajuda de Deus. E de súbito, uma grande luz refulgiu entre as árvores, e o trilho da selva pareceu polvilhado de ouro.

Piska olhou espantado ao redor e viu que a lanterna, que havia largado no solo para poder apalpar o caminho, tinha a forma de uma grande estrela e trazia uma grande cauda luminosa.

— É a estrela de Natal! gritou, feliz, o menino.

Desabrochou no clarão mágico uma figura branca e gentil: aproximou-se do pequeno viajor noturno.

— Ó Piska, não te assustes. Sou o teu anjo da guarda e quero fazer-te companhia.

Piska, no auge da satisfação, apontou comovido a lanterna celeste.

— Sim — disse o anjo da guarda — é a estrela que refulge no céu de Belém quando nasce Jesus. O bom Deus a tirou do imenso lampadário azul para dar-te de presente a sua luz.

Falando afetuosamente, Piska e o anjo aproximaram-se, sem o sentir, da casa do médico. O menino bateu à porta e o celestial amigo desapareceu. Também a estrela desapareceu e a noite ficou inteiramente entregue ao domínio das trevas. Depois de alguns momentos, o velho médico abriu a porta. Vinha com uma lanterna na mão e iluminou o rosto rosado e inteligente de Piska.

— Que desejas, menino?

— Minha tia está muito mal e precisa dos vossos serviços. Mandou-me a toda pressa procurar-vos.

— Onde é que mora tua tia?

— Do outro lado do bosque, perto da fonte de pedra.

— Tão longe assim! Então atravessaste a floresta a esta hora da noite?

— Sim, meu senhor, atravessei.

— Assim escuro, sem lanterna? E sozinho?

— Se quereis ouvir a verdade… A estrela natalícia iluminava a minha estrada e havia um anjo me acompanhando.

O velho facultativo não sorriu. O simples fato de o menino chegar à sua casa, atravessando uma floresta perigosa, povoada de temíveis feras, em noite hibernal, já era por si só um milagre.

— Queres muito bem a tua tia?

— Sim, a ela e ao tio.

—Então, vamos. Só quero o tempo de apanhar a maleta e atrelar a mula à aranha.

Hania, nesse tempo entretanto, passava a sentir-se mal, e prosseguia a estorcer-se em trejeitos de dores e a revirar os olhos.

— Acaba com essa comédia, disse Bor. O menino já vai longe, a essa hora já foi devorado por um urso; podemos ir cear sossegados e regaladamente

— Não é comédia, Deus meu! Jesus me castigou pelo que fiz no dia de seu nascimento, estou me sentindo mal, é como se uma mão de ferro me apertasse o colo ou unhas afiadas me dilacerassem as entranhas.

O marido não estava em condições de lhe prestar o mínimo socorro.

— Preciso ir chamar o médico. Depressa. Espera um pouco, vou correndo.

— Se me deixares só, na tua volta me encontrarás morta. Não me deixes, não quero morrer sozinha, abandonada!

— Ah! Se Piska tiver conseguido atravessar a floresta e chegar à casa do médico!

— Deus, que crime fui cometer! Não agraves o meu sofrimento — ai! ai! — despertando o remorso. Piska jamais chegaria ao médico, a esta hora já foi estraçalhado pelos javalis, ou mordido por uma serpente, ou esmagado pelo abraço feroz de um urso, quiçá devorado pelos lobos famintos.

E a mulher se contorcia, duplamente castigada pelas dores físicas e pelo remorso.

Tremia, jogava olhares desesperados ao redor, tinha espasmos.

— Morro, morro!

O rosto se lhe cobriu de suor gélido. Via diante de si um abismo negro que se abria para engoli-la, como se fosse a monstruosa boca do inferno.

— Socorro! Socorro! Vou morrer!

Mas no dia de Natal, dia tão suave, até os maiores criminosos, os mais empedernidos pecadores, recebem a ajuda do céu. Bor, de súbito, teve um sobressalto. Batiam com força à porta. Correu para abrir. E soltou um grito.

— Tu, menino? Tu, salvador?

— Pronto, o médico, tio!

O médico correu para a mulher, tomou-lhe o pulso, tirou a temperatura, estabeleceu de pronto, com seu olhar experimentado, o diagnóstico. E em seguida mandou preparar um remédio enérgico cujos ingredientes trouxera na mala. Minutos depois, as dores serenavam, a expressão de sofrimento da mulher dava lugar, em seu rosto a um conforto cheio de esperança.

Nesse ínterim, o menino contava a Bor o que se passara. Descreveu o milagre da estrela e do anjo. Bor se mostra incrédulo e estupefato, e então o menino, que não queria passar por mentiroso, pediu em voz alta:

— Deus misericordioso, sabeis que não minto. Ajudai-me a demonstrar a verdade do que estou afirmando.

A lâmpada que iluminava a sala apagou-se, como que impelida por um sopro forte, e no mesmo instante, fulgurou deslumbrante, prateada, mais viva que o dia, a maravilhosa estrela de Natal. Na luz intensa apareceu a figura branca do anjo.

Hania, que a essa altura vira dissiparem-se os padecimentos, atirou-se de joelhos e começou a rezar, de olhos súplices e mãos postas, a litania da Noite Suprema: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.”

O marido e o velho também a imitaram. Somente Piska permaneceu de pé, ouvindo sem compreender a princípio, as palavras da tia:

— Ó Jesus, o fogo de vosso astro queimou em nossos corações todos os sentimentos culposos. Iremos, doravante, dedicar os dias a guardar e proteger a ovelhinha indefesa que queríamos perder; restituiremos o que era seu e que dilapidamos. Nós vos rogamos a vossa proteção e clemência, Deus do amor e da bondade!

Piska, o órfão do coração límpido, teve, dessa ocasião em diante, contínuas provas de afeto dos tios. Nunca soube, nunca suspeitou sequer, que tivesse sido odiado. E assim, como todas as criaturas que veem o mal e não suspeitam do próximo, foi bastante feliz.

*

Extraído da Enciclopédia Universal da Fábula, vol. XXIII. Editora das Américas. Tradução de Hilário Correia.
Imagem: “A Estrela de Belém”, de Edward Burne-Jones. Fonte: Wikimedia Commons

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