[Dicas de escrita] Um belo exemplo de repetição

Usamos repetições para enfatizar as ideias. Mas e se em vez de repertirmos a mesma palavra, repetirmos a mesma ideia — com palavras diferentes? O efeito pode ser impressionante.

Nesta curta passagem vemos um autor encontrar nada menos que oito maneiras diferentes de dizer “o passado”, e usá-las todas para evocar uma pungente nostalgia.

O parágrafo abaixo é extraído de O Colar da Pomba, um livro do acadêmico mouro Ibn Hazm de Córdoba (~994 – 1064) citado por Titus Burckhardt em sua obra Moorish Culture in Spain. (Tradução de Burckhardt do árabe para o alemão, e de Alisa Jaffa do alemão para o inglês.)

O contexto é a história dum grande amor que Ibn Hazm viveu. Em sua juventude, apaixononou-se perdidamente por uma jovem, escrava de parentes seus, mas ela não correspondeu a seus sentimentos. Por causa de turbulências políticas, Ibn Hazm teve de se exilar e esconder-se, vagueando de uma cidade a outra, e nunca mais viu sua amada. Ela parecia ter desaparecido, parte de um passado irrecuperável. Até que um dia, no enterro de um familiar, ele percebeu uma figura que lhe fez o coração saltar dentro do peito. Era ela.

Postada ali, ela redespertou em mim uma paixão há tempos enterrada, que desde então se havia tranquilizado, e lembrou-me de dias de antanho, de um antigo amor, dum tempo que findara, duma época desaparecida, de meses há muito passados, de coisas agora antigas, de uma era que se fôra, episódios terminados, e dias que se haviam ido, e rastros apagados.

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Imagem: “A Malabarista” (The Juggler), de Jan-Baptist Huysmans. Wikimedia Commons.

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