[Dicas de escrita] Finais que impactam (II)

Este extrato de Caxias, de Affonso de Carvalho, é o final não do livro, mas de um longo capítulo sobre o casamento do Duque de Caxias.

Nele, o autor combina com maestria o uso de metáforas (“sangrando de dor”, “rende-se o coração que ama”), citações literárias, e citações de escritos ou frases do próprio Caxias, para suscitar no leitor a empatia e compaixão por um homem que viveu e perdeu um grande amor.

(Procurando uma imagem de Caxias para este post, descobri que a Globo está para lançar uma novela — Nos Tempos do Imperador — na qual o Duque de Caxias é uma das personagens principais. Não conheço Jackson Antunes, o ator que representa o Duque, e não assisto novelas. Mas menciono ambos, novela e ator, com o propósito maquiavélico de aumentar as probabilidades deste post aparecer nas buscas do Google.)

Espero que, assim como acontece comigo, este texto os ajude a desenvolver o ouvido para escrever seus próprios finais que impactam.

Extrato do capítulo Casamento de Caxias:

É fácil imaginar-se a dor desse “coração maior que o mundo” quando, após quarenta e um anos de absoluta felicidade conjugal, a sua inesquecível Duquesa vem a falecer, deixando-o na maior das solidões:

“Perdi o maior bem que neste mundo gozava,” confessa o velho marechal.

Não há bálsamo que possa atenuar a dor inexpiável.

O viúvo desalentado escreve a um amigo em 1874:

“Vivo agora muito triste depois do golpe que sofri com a morte de minha Duquesa, a quem eu amava muito e só hoje desejo ir para onde Deus a levou.”

É esse o ano terrível para o coração do velho Duque, ano do falecimento da esposa (23-2-1874). É sangrando de dor que escreve a seguinte carta, dirigida a uma dama do Paço, D. Maria José de Siqueira, e ultimamente divulgada no “Condestável do Império”, de Oswaldo Orico:

Minha estimável comadre e senhora.

Entre os papeis da minha adorada Anica, encontrei uma nota em que ela tinha escrito, por sua letra, que pretendia deixar, como sinal de lembrança, à sua prima e comadre Maria José, os seus brincos de esmeraldas e brilhantes.

Minha comadre sabe que a vontade desse anjo de bondade tem força de decreto para mim, que tanto a amava, e por isso aí vão os brincos, e lhe peço que os aceite como presente da sua íntima amiga, que Deus levou para o Céu, deixando-me só neste mundo para chorá-la.

Não os vou entregar pessoalmente como devia, porque sou um covarde e não animo para isso.

Seu compadre que muito a estima,

Duque de Caxias

Covarde, o herói da guerra da Independência, da Cisplatina, do combate de Sta. Luzia, da ponte de Itororó, de Avaí e Lomas Valentinas… Atira-se o guerreiro contra todos os perigos das batalhas. Rende-se o coração que ama aos horrores do desengano e da morte — a ausência infinita.

A dor acaba matando o velho Duque.

“Toda a criatura e toda a saúde só vive enquanto é verdadeiramente amada por alguma outra criatura na Terra.”

Mas não morrerá só o viúvo inconsolável. Como doce revivescência daquela que se foi “tão cedo desta vida descontente” ficam suas filhas. E Luíza se postará à sua cabeceira, fechando-lhe, à hora da morte, as pálpebras cansadas do guerreiro que perece de desenganos, e do esposo que morre de saudade.

*

Se gostou deste exemplo de um final muito bem escrito, confira também estes dois finais de romances.

Foto: Stella Becker

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