Um episódio quase inacreditável da História da França, descrito em maravilhoso português.

Ali estava ele em frente dos seus veteranos, envolto numa capa cinzenta, de botas altas e com o seu chapéu característico, pousando os olhos na esplêndida bandeira da França. Estava dizendo adeus aos seus soldados.
O grande imperador, o homem que tinha abalado a terra até as raízes, e que, tendo começado a vida como um pobre tenente, conseguira em poucos anos exceder as conquistas de César, de Alexandre e de Aníbal, e se tinha sentado num trono e posto uma coroa na cabeça — este homem, o grande Napoleão, fora por fim derrotado, e ia agora para o exílio, deixando atrás de si um clamor de ódios e rancores.
Durando o seu caminho para a costa onde o aguardava o navio que o devia conduzir de França, foi amaldiçoado pelo povo. Correram atrás da carruagem dele e atiraram-lhe com pedras. Teve que despir os seus trajes conhecidos e envergar um disfarce para não ser assassinado. “Morra o tirano!” gritavam eles. E assim partiu ele — o grande Napoleão, o grande imperador — para uma pequena ilha chamada Elba.
Por que tinha ele caído? Dizem que seu espírito brilhante se tinha obscurecido.
Mas em Elba aquele grande cérebro tornou de repente a brilhar, como uma vela que se reanima, e o clarão sangrento daquele arranco final deslumbrou o mundo como um relâmpago. Contado, parece uma história inventada, e tem-se vontade de dizer que esse homem nunca existiu, embora tudo isto se tivesse passado há pouco mais de cem anos.
Eis a história. Quando Napoleão vivia na ilha de Elba, constou-lhe que a França era infeliz sob o domínio do seu novo rei, e ele, que tinha sido expulso da pátria, mal soube disto resolveu voltar. O seu cérebro concebeu a ideia de reaver toda a glória perdida.
Assim, enquanto todas as nações julgavam que este grande herói estava meditando, como uma águia ferida, nos rochedos de Elba, ele e os seus poucos soldados estavam embarcando de noite e navegando em direção à França. Parecia a aventura de um louco. O mar estava cheio de navios franceses e ingleses, e todo o mundo estava contra Napoleão. Um desses navios franceses aproximou-se e alguém de bordo, vendo que o outro navio vinha de Elba, perguntou, por troça: “Como está o pequeno imperador?”
“Não pode estar melhor!” respondeu Napoleão, que tinha feito esconder todos os seus soldados.
Durante a viagem, Napoleão compôs manifestos vibrantes dirigidos ao seu antigo exército em França, e cada soldado que sabia escrever pôs-se a copiar estes apelos patrióticos do imperador.
“Tomarei Paris sem que se dispare um tiro,” disse o imperador confiadamente, e todos sentiram a magia da sua alma indômita.
Estava ali um homem a quem só a morte poderia esmagar. Confiava nessas palavras que os seus soldados estavam copiando para dominar a França inteira. E, enquanto as ditava, estava cercado de navios de guerra.
Finalmente Napoleão pôs pé em território francês e iniciou então uma marcha maravilhosa. Com o seu punhado de soldados, numa noite de luar, principiou a sua longa jornada até Paris, passando perto daquelas mesmas cidades cujos habitantes o tinham apedrejado havia poucos meses, e atravessando um país montanhoso que estava nas mãos dos soldados do novo rei.
Eram, na verdade, maravilhosas a confiança e a coragem que sustentavam este vencido na sua marcha, porque ele não punha a sua fé em armas algumas; punha-a na magia do seu nome, na sua fama e no poder da sua alma.
Em breve se lhe juntaram camponeses que admiravam o seu nome. Era como um regresso do túmulo. Toda a gente, pasmada, corria para o ver. Os pobres soldados de Napoleão, dos quais a grande maioria nem tinha cavalos, levavam as selas aos ombros e as armas na mão e, atravessando assim as montanhas, não faziam senão gritar: “Viva o Imperador!” Ao chegarem perto da cidade de Gap, Napoleão avançou a cavalo só com um punhado de homens e entrou ousadamente na cidade. Homens e mulheres cercaram-no, beijaram-lhe a mão e juraram morrer por ele.
Dir-se-ia antes um vencedor em triunfo do que um pobre exilado odiado pela humanidade. Ali se rejubilou algumas horas com o povo, fez imprimir as suas proclamações e prosseguiu no caminho. Parecia que toda a cidade seguia no seu encalce.
Chegaram então à cidade de Grenoble. O general que comandava as tropas do rei saiu da cidade com seis mil homens para cortar o caminho a Napoleão. Todos os camponeses, que tinham sabido da sua chegada, aglomeraram-se em torno para assistir à cena.
E, vagarosamente, Napoleão surgiu com o seu punhado de valentes. Quando viu os seis mil homens tomando-lhe o caminho, mandou a sua gente fazer alto, e continuou para a frente com alguns homens a cavalo. A uns cem passos da linha de baionetas, desmontou-se e avançou sozinho. Veio a ordem de fogo. As espingardas estavam carregadas, mas nenhum tiro partia.
Napoleão avançou a pé, sozinho, para seis mil espingardas carregadas, sem o menor sinal de medo e, abrindo a capa, disse: “Qual é o homem capaz de disparar sobre seu imperador?” Então as espingardas abaixaram-se todas, e um grande grito de “Imperador! Imperador!” subiu ao céu. Tinha vencido.
Depois disso, diz-se que a marcha do exilado foi como “o alastrar dum poder formidável a que nada pode resistir”. Regimentos após regimentos partiram ao seu encontro e juntaram-se-lhe. As flores de lis do rei de França eram calcadas aos pés. Em toda a parte se erguia a águia de Napoleão.
“Basta o vosso chicote,” disseram-lhe, “para afastar toda a resistência.” E, na verdade, sem que um tiro se disparasse, com os seus inimigos, o novo rei e os príncipes fugindo diante dele, este pobre exilado chegou a Paris, tendo a sua águia, como ele disse, voado de torre em torre com a bandeira nacional, até pousar nas torres de Notre Dame, a catedral de Paris. A magia do seu nome dominava a nação inteira. A França só tinha uma palavra em todas as bocas: “Napoleão!”
Foi assim que ele voltou. Mas este relâmpago de gênio, tão rapidamente extinto, foi o último clarão do seu espírito. Aquela marcha incruenta, desde Elba, viverá porém na história como um dos mais maravilhosos triunfos humanos que o mundo já viu.
Texto extraído da Enciclopédia Thesouro da Juventude, vol. I. Imagem de Wikimedia Commons: “Retorno de Napoleão de Elba”, de Charles Auguste Guillaume Steuben.
Excelente escolha!🦁
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Lindo relato, estamos emocionadas!
“Soldados, do alto daquelas pirâmides quarenta séculos vos contemplam!” Frase de Napoleão Bonaparte quando esteve no Egito.
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Que bom que gostaram! 🙂
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Olhando o seu site, acabei de lembrar que foi também no Egito que Napoleão disse aos soldados que “quem violenta uma mulher é um monstro”, e ordenou que todo soldado culpado de estupro fôsse fuzilado.
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