[Dicas de escrita] Finais que impactam

Vamos variar? Esta semana, em vez de ler uma história para ampliarmos nosso vocabulário (e nos distrairmos com um conto bonito) vamos ler dois finais de livros. Com um mini-resumo do livro antes, claro.

Por que os finais?

Primeiro, porque saber finalizar um texto adequadamente é crucial. É tão importante quanto começar de forma atraente. Não adianta interessarmos o leitor com um início bem feito, mantermos sua atenção com um meio coerente e interessante, só para decepcioná-lo com um fim fraco, apressado, confuso.

E para aprender a terminar bem, é importante ler bons finais. Mesmo que não façamos uma análise do texto, com o tempo vamos afinando nossa intuição e desenvolvendo nosso ouvido para o ritmo das palavras.

Segundo, vamos lê-los porque esta sua criada adora esses finais e está com vontade de compartilhá-los. Claro que, idealmente, leríamos os livros inteiros. Afinal, uma grande parte do efeito de um bom final acontece em função da história inteira que o precedeu. Mas isso tomaria um pouquinho de tempo a mais…

Então, só os finais mesmo. Vamos lá.

Final 1: A Viagem Maravilhosa de Nils Holgersson, por Selma Lagerlöf

(tradução de Maria de Castro Henriques Osswald)

Nils Holgersson é um camponês sueco de 14 anos. Egoísta e preguiçoso, só dá desgostos aos pais. Um dia, ele maltrata um duende, e como castigo é transformado em um anãozinho. Tentando impedir o ganso da família de fugir com os gansos selvagens que migram para o norte, Nils acaba levado pelos ares. Começou para ele — agora apelidado de “Polegarzito” — uma aventura transformadora, que o levará a descobrir a Suécia inteira ao longo de um verão — e ao mesmo tempo, a aprender a amizade, a lealdade e a coragem com os gansos que acabam aceitando-o como um deles. Afinal, de volta à casa dos pais, Nils é perdoado e retoma a forma humana. Mas com ela, perde a capacidade de falar com os animais. E os gansos estão de partida para as terras quentes do sul…

Nils ergueu-se e foi até junto de Akka. Beijou-a e acariciou-a. Depois foi ter com Iksi e Kaksi, Kolme e Nelja, Viisi e Kuusi, as mais velhas do bando, e abraçou-as igualmente. Em seguida, separou-se delas com passo rápido e firme e tomou o caminho de casa. Sabia que a tristeza, nas aves, não dura muito, e queria separar-se das suas amigas enquanto elas sentiam a dor de o perder. Quando chegou ao alto da duna, voltou-se e envolveu num último olhar todos os grupos de aves que se preparavam para atravessar o oceano. Todos gritavam alto: só um bando de gansos bravos voava em silêncio, enquanto Nils pode segui-lo com o olhar.

Mas o triângulo formado por esse bando estava em perfeita ordem, com os intervalos certos, a velocidade costumada e o bater de asas vigoroso e rítmico.

Nils sentiu uma sensação tão dolorosa, uma saudade tão intensa, que quase teria preferido voltar a ser o Polegarzito, para poder viajar, com um bando de gansos bravos, por cima da terra e por cima do mar.

*

Final 2: As viagens de Alexandre von Humboldt, de M. Z. Thomas

Este romanesco relato das viagens do famoso naturalista foca-se muito na amizade entre ele e Aimé Bonpland. Também cientista e aventureiro, Bonpland viaja durante anos junto com seu amigo, descobrindo, estudando e registrando a natureza e as culturas de países distantes da Europa. Juntos, vivem momentos de perigo, de êxito, de cansaço, de alegria. Brigam, reconciliam-se, aprendem um com o outro. E mesmo depois de separados por um oceano, com Humboldt de volta à Europa e Bonpland estabelecido no Novo Mundo, ambos guardam viva a amizade e mantém uma correspondência que durará até a morte.

Na cordilheira de Mérida, no oeste da Venezuela, vivem lado a lado dois gigantes de pedra que se arremessam para o céu. Aos seus pés corre, impetuoso, o Chama. Os picos de cinco mil metros de altura trazem a coroa de diamantes de eterna geleira. Quem das matas, onde gargalham rubros papagaios, olha para os picos, vê dois leais amigos vigiando o colorido mundo tropical que se estende até a margem prateada dos oceanos. Chamam-se Humboldt e Bonpland.

Quando os séculos tiverem apagado os vestígios dos caminhos humanos, quando os livros estiverem reduzidos a pó, esses dois picos continuarão lado a lado, dois amigos fieis através dos tempos e na eternidade.

*

É. Admito que sem o resto do livro, não faz o mesmo efeito. Mas tendo lido o livro… Nem lhes conto, meus amigos. Já houve olhos marejados.

Então, fica a dica de leitura. Quem está querendo ler um relato fascinante de exploração científica do Novo Mundo, ou uma história de aventura e descoberta da Suécia — e ao mesmo tempo, degustar um português excelente — não hesite. Os livros são da Editora Melhoramentos.

Foto: Stella Becker

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