Esta semana, melhoramos o nosso português lendo uma história sobre o heroísmo e a verdadeira humildade — com um português excelente. No final está a lista de novas palavras e expressões, para enriquecermos o nosso vocabulário.

Enquanto o nobre moço passava a cavalo pelas ruas de Rodes milhares de vozes cantavam em sua honra, pois levava arrastando atrás de si o corpo inanimado do horrível monstro que tinha enchido de terror e de consternação todo o país.
— Abram as portas! — gritava a multidão, guiando o nobre cavaleiro ao mosteiro dos monges militares chamados Irmãos de São João. — Matou o dragão.
As portas abriram-se de par em par e a multidão seguiu o heroi até a sala do conselho, onde o Grão Mestre dos Hospitaleiros estava rodeado dos outros irmãos da Ordem.
— Que quer dizer tudo isto? — perguntou o Grão Mestre com voz severa.
— Matei o monstro que tinha feito a sua caverna na capela dos Três Reis de Colônia e impedia que os peregrinos a visitassem — disse o cavaleiro.
— Meu filho — continuou o Grão Mestre, ainda com maior severidade — fizeste muito mal. Cinco dos nossos mais valentes cavaleiros perderam a vida uns após outros por tentarem matar o dragão. Depois disso proibi que todos aqueles que pertencessem à nossa Ordem tentassem realizar o ato que tu acabas de realizar. Desobedeceste às minhas ordens. Dize! Qual é o primeiro dever dum cavaleiro de São João?
— A obediência — respondeu o moço hospitaleiro, abaixando a cabeça, envergonhado, ouvindo tão inesperada repreensão.
— Tu és um campeão professo de Nosso Senhor que traz o emblema da Cruz — exclamou o Grão Mestre. — Quebraste a lei da Ordem, temerariamente, premeditadamente e…
— Temerariamente não, padre — interrompeu o jovem cavaleiro. — Eu conto o que se passou. Procurei um artista da minha vila natal e mandei-lhe fazer uma reprodução do dragão, em tamanho natural. Assim que ele mo entregou, coloquei-o num campo e ensinei ao meu cavalo a aproximar-se dele e aos meus cães a atacarem-no somente no sítio em que a pele é mais tenra e delgada. Regressei à capela e vi o monstro sair do seu antro e matar os camponeses. Resolvi atacá-lo imediatamente.
— Devias ter pedido licença — disse o Grão Mestre.
— Não havia tempo a perder — tornou o jovem cavaleiro. — Todos os dias o dragão matava uma quantidade de homens. Encontrei-o deitado ao sol, junto à capela, e soltei-lhe os cães. Ataquei o monstro e quis atravessar-lhe o corpo com a minha lança, mas a arma quebrou-se-me. Depois investi contra o furioso monstro com a minha espada, que também se quebrou, e eu caí por terra. O asqueroso animal abriu as goelas para me devorar, mas naquele momento os cães atacaram-no, procurando fincar os dentes nos sítios que não estavam protegidos por escamas. Rugindo de dor, o dragão voltou-se para os cães procurando afugentá-los e então eu agarrei na espada quebrada e meti-a até os copos no corpo do animal, que caiu morto aos meus pés.
A multidão que estava reunida na sala do conselho comoveu-se com a história que o moço acabava de contar e aclamou-o com entusiasmo, e até os Hospitaleiros, vencidos pela modéstia com que ele tinha narrado os acontecimentos, suplicaram que lhe concedessem uma medalha como recompensa do seu grande valor. Mas quando a multidão ia levar em triunfo o jovem cavaleiro, o Grão Mestre levantou-se, ordenou silêncio, e disse:
— Tu és um inimigo declarado da nossa Ordem. Tira essa santa Cruz que adorna o teu peito, porque não és digno dela. Ela é o emblema do espírito da humildade cristã e da obediência. Deste morte ao dragão para conquistares uma glória efêmera e vã e agora um monstro ainda mais terrível entra no teu orgulhoso peito: é a serpente da obstinação, da desobediência e do orgulho.
A multidão levantou um grito de protesto, mas o matador do dragão obedeceu docilmente à ordem do seu superior. No meio dum profundo silêncio e com os olhos baixos, tirou a túnica da sua gloriosa Ordem, inclinou-se, beijou a mão do Grão Mestre, baixou a cabeça e dirigiu-se lentamente para a porta.
De súbito o Grão Mestre chamou-o e disse:
— Vem, meu filho, acabas de ganhar uma batalha mais terrível do que aquela que empreendeste com o dragão, pois te venceste a ti próprio. Torna a ficar com a Cruz dos Cavaleiros Hospitaleiros. Acabas de a ganhar com a humildade heroica da tua alma.
Extraído do Thesouro da Juventude, vol. V. The Colonial Press, Inc. Imagem: Wikimedia Commons.
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Para tomarmos nota:
inanimado = desmaiado ou sem vida
as portas abriram-se de par em par = ambas as folhas da porta abriram-se ao mesmo tempo
repreensão = bronca
temerariamente = de forma imprudente
copos = parte da espada que divide o punho da lâmina
suplicaram = pediram insistentemente
efêmera = que passa rápido
Muito boa!!
Obrigada, filha.
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